24 julho, 2015

Sobre venenos e demónios.

Inevitavelmente, nada mais sois do que aquilo que vos lembrais; e assim, sempre sereis uma sombra daquilo que outrora achateis ser.

Bem sabeis, senhores, que tudo isso é absolutamente irrelevante. E não zombeis, pois não tão raramente, existe um quê de resignação heróica nesse sentimento. Um sentimento que está muito para além dessa dependência que creis, como bons idiotas que sois, ser inerente ao espírito do pobre. Explicai-me: porque condenais vós a essência da alma? Porque condenais vós a imprevisibilidade voluntária? Porque condenais vós quem se atira aos lobos com vontade de sentir a dor do seu ataque instintivo, ou de pelo menos ver o próprio sangue jorrar? Porque meteis a burro aquele que se entrega àquilo que vos define como ser humano: a volatilidade?

Em podendo, o consciente mortal irá sempre apontar ao colapso absoluto. Lembrai-vos que para que haja lei e, por consequência, verdade, está terá sempre que submeter-se voluntariamente aos princípios da falseabilidada. Porque nada de prova pela inexistência de factos contra. Só estais vivos pela noção da finitude da vida, porque temeis a morte.

E assim, o único princípio que algum dia irá justificar a existência, minha e vossa, é o do limite. A do extremo. O espírito deve sempre procurar transpor o corpo, e por conseguinte, força-lo em boa vontade e fé, à deterioração.

Nada mais sois, ou somos, do que aquilo de que nos lembramos. O moribundo aprendeu a lição, ainda que tarde demais. A extrema unção de nada serve senão ao fraco que enfrenta o fim como castigo.

Antecipai: a morte fica bem a todos. E a única questão a levantar aquando da ceifa é se gastamos, eu e vós, tanto quanto possível daquilo que nos foi dado.

A não ser que ameis. Assim sendo resta apenas um propósito: antecipar a própria ceifa à do ente querido. E aí sim, tereis cumprido o vosso propósito quasi divino enquanto ser.

Podeis agora concluir sobre a holística concepção: auto-destruição a dois.

Venenos partilhados, demónios enamorados.

E viveram felizes para sempre. As campas como testemunhas.

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