27 janeiro, 2016

A existência é de facto uma delicada valsa entre o holismo e o caos; de mão em mão, enamorados, vão bailando ao som de Wagner. Não dão ares de fraqueza mas isso não esconde o temor: a qualquer momento tanto um como o outro pode tropeçar e estragar o baile em Versalhes.

Convenhamos: há muito mais borboletas a bater asas em Pequim do que tufões na América do Sul e continuamos a depositar bastante da nossa fé nos modelos meteorológicos do AccuWeather quando trata de escolher o trapo com que nos vamos cobrir na manhã seguinte, mas ainda assim o grilo do Pinóquio insiste em sussurar-nos ao ouvido que é tudo cosmologia kármica.

10 agosto, 2015

A maior das ambições reside na projecção de um ideal de felicidade num espectro de tal simplicidade em que aquele sorriso é suficiente para preencher todas as lacunas da existência; suficiente para acordar com vontade.

05 agosto, 2015

De quando em vez.

Deleita-se o Homem com pequenas imagens congeladas; num esforço, ingrato e condenado à partida, de desafiar o Tempo, ali quer permanecer para sempre. Por vezes não quer o futuro, quer apenas ficar-se pela efemeridade daquele Momento perfeito, em que todo o universo parece conspirar para uma composição perfeita. Finalmente!

Por birra e à força, recusa aceitar que se torne passado. E assim se despoja de toda a ambição, porque o que lá vem, com o Tempo, não será mais que mágoa e saudade do Momento ido. Uma melancolia que o aflige por antecipação.

E assim também o Homem pára, também ele se torna uma pequena imagem congelada. E, também em deleite, dedicará toda a sua existência a si mesmo, nesse Momento; viverá em função desse de si mesmo, nesse Momento; extingue-se a si mesmo, nesse Momento.

Mas o Tempo sempre vem. Maldito e intrujão, sem escrúpulo ou solidariedade. E consome o Homem; consome o Momento. No final, Homem e Momento já não se distinguirão, trucidados e feitos em amálgama, serão um só. Uma massa disforme e cinzenta, esmagada eternamente pelo Tempo, sem piedade. Mas é o preço a pagar. E o Homem assume-o em gosto e orgulho.

E morre com um sorriso.

Mas só de vez em quando.

24 julho, 2015

Sobre venenos e demónios.

Inevitavelmente, nada mais sois do que aquilo que vos lembrais; e assim, sempre sereis uma sombra daquilo que outrora achateis ser.

Bem sabeis, senhores, que tudo isso é absolutamente irrelevante. E não zombeis, pois não tão raramente, existe um quê de resignação heróica nesse sentimento. Um sentimento que está muito para além dessa dependência que creis, como bons idiotas que sois, ser inerente ao espírito do pobre. Explicai-me: porque condenais vós a essência da alma? Porque condenais vós a imprevisibilidade voluntária? Porque condenais vós quem se atira aos lobos com vontade de sentir a dor do seu ataque instintivo, ou de pelo menos ver o próprio sangue jorrar? Porque meteis a burro aquele que se entrega àquilo que vos define como ser humano: a volatilidade?

Em podendo, o consciente mortal irá sempre apontar ao colapso absoluto. Lembrai-vos que para que haja lei e, por consequência, verdade, está terá sempre que submeter-se voluntariamente aos princípios da falseabilidada. Porque nada de prova pela inexistência de factos contra. Só estais vivos pela noção da finitude da vida, porque temeis a morte.

E assim, o único princípio que algum dia irá justificar a existência, minha e vossa, é o do limite. A do extremo. O espírito deve sempre procurar transpor o corpo, e por conseguinte, força-lo em boa vontade e fé, à deterioração.

Nada mais sois, ou somos, do que aquilo de que nos lembramos. O moribundo aprendeu a lição, ainda que tarde demais. A extrema unção de nada serve senão ao fraco que enfrenta o fim como castigo.

Antecipai: a morte fica bem a todos. E a única questão a levantar aquando da ceifa é se gastamos, eu e vós, tanto quanto possível daquilo que nos foi dado.

A não ser que ameis. Assim sendo resta apenas um propósito: antecipar a própria ceifa à do ente querido. E aí sim, tereis cumprido o vosso propósito quasi divino enquanto ser.

Podeis agora concluir sobre a holística concepção: auto-destruição a dois.

Venenos partilhados, demónios enamorados.

E viveram felizes para sempre. As campas como testemunhas.

10 junho, 2015

Mudou, e, em podendo, mudou-se outra e outra vez e, como sempre, voltou.

De poiso em poiso, vai assim, saltando do velho para o novo e do novo para o velho; um ciclo, ou círculo, ou ciclos e círculos; vórtice e vendaval; tão viciado quanto a própria existência: quão redundante é, que em mescla corrói os conceitos, os funde, separa e assim os define em simultâneo.

Quando pára, a fingir, fica sem saber. Olha à volta: onde começa ou acaba não sabe, nem se é túnel ou apenas buraco sem fundo. Troca-lhes a ordem a seu gosto e capricho e engana-se de propósito, que é como quem morre de vida em vez de viver para morrer, heróicos estultos de pouco orgulho e muita vontade. Nem sabe que nada sabe mas também não lhe pesa a alma. É apenas isto. Herege, volátil e livre.

Mas afinal, sempre foi esse o objectivo nobre.


Quando fecha os olhos voa num mundo pintado de mil-cores: questiona se aquilo é uma alucinação ou se para se ser tolinho tem de os abrir. Mas depois lembra-se que, de olhos abertos, ninguém tem asas. E deixa-se estar. Eventualmente o conforto é tanto que se torna insuportável, sente-se egoísta. Levanta-se, lava a cara e sai à rua para vender sonhos. Infelizmente, a crise está mesmo aí e, ao fim do dia, volta ao ninho com todas as cores, todas as luzes, sons e cheiros, histórias bonitas que ninguém lhe comprou. Volta a deitar-se. Volta a fechar os olhos. Volta a voar sozinho.
Enquanto imersos numa suposta realidade que se projecta em alicerces de oposição conceptual, onde colocar a essência do ser, do indíviduo, da pessoa?
É mais fácil definir algo pelo reflexo do seu contrário, relegando para segundo plano o símbolo, sublevando o objecto interpretado pela reacção sensorial.
As gentes gostam de se ver ao espelho, mas este devolve apenas o produto original: não há espaço à relativização.
Colocamo-nos em frente a outros: definimo-los a eles; julgamos.
A definição por comparação é útil ao pragmático, ao que não tempo de ter tempo. Objecto por objecto, olho por olho, cinzas às cinzas, enquanto os comboios passam.
Assim, tornamo-nos redundantes. Conhecemos o mundo num só sentido. Somos redutores reduzindo-nos a nós mesmos à mercê da opinião alheia, reduzindo os outros a meias-ideias malformadas.
Somos gente. Tanta gente e tão poucas pessoas.




"Tudo isto existe; tudo isto é triste; tudo isto é fado."

Ser de princípio, moral e saberes, de Bem e Mal: coitado. Daqueles de essência volátil, vós sois o sal terra, profetizava o Santo António, que de mão dada com Erasmo ainda hoje se ri.

Mas esse ser profeta, quasi divino, quer-se livre.

E o homem livre quer-se, como a besta, domado e acorrentado; ancorado em porto de humildade imposta, acumula ferrugem e musgo nos grilhões submersos em água pútrida, estagnada. Afiguram-se-lhe duas hipóteses apenas: a resignação, fazendo fé que esta lhe garanta e a pena e, sobretudo, o pão solidário dos senhores, ou a ira, quebrando os ferros já corroídos de apatia, condenando a sua alma ao desprezo alheio. Assim, submeter-se-á ou à piedade insuportável dos verdadeiros Deuses ou ao ódio terreno dos mortais. Ambos queimam; ambos eternos.

Afortunado esse, em vida, se arrepende da decisão tomada; tanto mais se esta lhe assombra os sonhos enquanto suplica para que não acorde para um orgulho envenenado. Rasga-se por entre efemérides de felicidade embriagada, ocasionalmente preenchendo-se de sentimentos de vazio, de despropósito, e de resignação.

A esse os Deuses a sério sussurram: "Nunca te sentiste tão vivo como nos momentos em que quiseste morrer".




30 março, 2015

Lamento meu amigo, não estou em contacto com a Natureza;
nem com a minha, nem com a tua.

Nem quero!
E estou convencido de que nem sequer é suposto estar.

Aliás, estou até no lado oposto.
Mais ainda, tenho orgulho nisso!

Arrogante és tu!
Arrogante, convencido e metido a burro.

És um pária; és o erro de Descartes: durante anos procuraste algo lá cima e agora bradas aos ventos que não és menos térreo que uma laranjeira! E sim, até a laranjeira se riu que eu ouvi.

Faltam-te as asas dos anjos e a inocência dos animais: falta-te legitimidade.

E essa humildade que trazes na algibeira é uma desculpa que inventaste, tens vergonha de pensar. Tens vergonha de seres quem és. E é isso que espalhas, vergonha.

E és intrujão, vendes vergonha por altruísmo meu cabresto. Gato por lebre, cabrito por anho.

Mas eu perdoo-te, se até o barqueiro teve pena do idiota.

Agora imploro-te, não te faças de estulto; não gabes para ti aquilo que apenas serve aos Deuses e aos inocentes.

És um erro. Convence-te disso e talvez te safes.

20 fevereiro, 2015

Uma história de amor.

Ataca-me. Agora sim. Encosta-me à parede cinzenta, fria e inerte e deixa-me sentir teus golpes de sangue, movidos de ira, repletos de sentimentos indefinidos e uma raiva que já não agarras. O duelo dos opostos, entre o frio do cimento e o calor do teu ódio. A vida pertence-me, mesmo rastejando a teus pés. Tenho mais do que com alguma vez sonhamos, mais do que aquilo que seríamos capaz de sequer desejar ou imaginar e agora, hoje, é também teu. Sou teu. Sou tão livre apenas porque te libertei e agora entrego-me à tua fúria com um sorriso. Não um sorriso condescendente, muito menos resignado. Desafiador. Gosto de ti assim. De olhar incinerado. Nunca me pareceste tão bela, tão real e singular. Lasciva. Mas não te distraias, não me ouças se te pedir que pares. Lembra-te, isso que sentes é vida e o sangue que escorre são os seus filhos. Saboreia cada um dos meus esgares de dor, cada gota do meu sofrimento, deixa-me alimentar-te desta forma. Rasga-me o corpo, dilacera-me, desfigura-me e por fim incendeia-me a alma. Ouve-a gritar, ela ainda te quer. Ainda te ama. E como te é fiel! E nunca te vai abandonar.

E no fim voaremos juntos, como sempre.