11 maio, 2009

"Sim, sim; a conclusão foi eu ter estragado tudo. Como isso foi... não sei. Já não me lembro como sucedeu. O sonho durou milhares de anos e apenas me deixou uma impressão de conjunto... Só me lembro de que o culpado do pecado original fui eu. Como uma espantosa triquina, qual pestífero bacilo que devasta a Terra, assim devastei eu toda aquela Terra inocente e feliz. Aqueles homens aprenderam a mentir, tomaram o gosto à mentira e reconheceram como eram belos. Oh!, pode ser que, a princípio, o fizessem inocentemente, por puro jogo, por diversão, que apenas se tratasse de um bacilo; mas este átomo de mentira enraizou-se nos seus corações e foi do seu agrado. Não tardou que dele derivasse a voluptuosidade, e esta voluptuosidade engendrou a inveja, e esta, a crueldade. Oh!, não sei, não me lembro já como, mas não tardou que se vertesse a primeira gota de sangue; a princípio apenas sentiram espanto; mas depois assustaram-se e começaram a afastar-se uns dos outros. Vieram as censuras e as incriminações. Conheceram a vergonha e erigiram-na em virtude. Surgiu o conceito de honra e cada bando se uniu à sombra da sua bandeira. Começaram a torturar os animais, e os animais afastaram-se deles, foram ocultar-se nos bosques e tornaram-se seus inimigos. Iniciou-se a luta pela separação, pela particularização, pela personalidade, pelo teu e pelo meu. Começaram a falar várias línguas. Conheceram a dor a tomaram-lhe o gosto; ansiavam pelo sofrimento e diziam que a verdade só se comprava pelo preço do martírio. Depois surgiu a ciência. Como se haviam tornado maus, deram em falar de fraternidade e humanidade, e compreendiam estas ideias. Como se tornaram criminosos, inventaram a justiça e redigiram códigos para a encerrarem neles, e, para assegurar o cumprimento desses códigos, ergueram a guilhotina. Mal se recordavam daquilo que perderam e não queriam acreditar que alguma vez tivessem sido inocentes e felizes."

- O Sonho de um Homem Ridículo, Fiódor Dostoiévski

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